terça-feira, 12 de julho de 2011

A sombra do Pescador


A sombra ainda deambula sobre as paredes da minha casa, desaparece nos cantos da sala, de um quarto ou de um retrato, ao aproximar-me. Vejo-a, por vezes, ao entardecer. Ela é minha, quase minha, mas se esquiva, escorrega, some sob meus pés, assim que tento apanhá-la. Entrevejo sua cabeça, suas mãos, que parecem gesticular para mim, seu corpo esbelta, escuro, indefinido. E essa sombra que está nadando sobre a superfície dos muros, que está cuspindo escuridão como ondas marinhas, transporta-me de vez em quando para o passado. A silhueta negra, minha silhueta, se confunde com outra, similar. Uma sombra de pescador sobre o pó úmido da praia, sobre as águas turvas do mar, que sussurra, abaixo de um longo trapiche: a sombra do meu pai.
Reencontro aquele instante preciso durante o qual nossas sombras se confundiam, formando às vezes uma só. Momentos de aventuras extraordinárias, um mundo novo que se descortinava: o universo da pesca. Recordo-me daquela mão forte no caniço, dos dedos ágeis manipulando chicotes, anzóis, chumbos, iscas de todo tipo: as jóias raras e coloridas de um tesouro no baú de uma pescaria. O mapa na cabeça, ele procurava os mais distantes lugares em busca de nosso butim: o peixe. Ouço ainda a voz daquela penumbra humana, que me alerta sobre os perigos da garateia, os cantos das sereias e a corrosão do mar. Aquelas pescarias representavam uma comunhão por algumas horas e a herança de uma paixão: o duelo com o peixe.
Quando hoje vejo a sombra sobre as telas de minha moradia, lembro-me de que ainda resta um pouco daquela escuridão, que continuo carregando o fulgor daquela negritude. Porém, para que a silhueta apareça, para que as pescarias do passado permaneçam vivas, devo recordar-me de que é a claridade que borrifa a sombra.
Jamais esquecerei daquela luz, mesmo pálida, chama de vela que cambaleia nos meandros da memória, pois é a alegria daquelas pescarias que deu origem às sombras que sobrevivem ainda nas dobras dos meus contornos, nas paredes do meu lar, nas fotografias penduradas ou guardadas, na tralha que estou embarcando sobre praias, costões e embarcações.
Para todo sempre, de mim, projeto a alma do pescador.

12/07/2011
Gilles J. Abes.

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